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A VIDA DE SÃO PAULO ANTES E DEPOIS DE DAMASCO


São Paulo (2):
A vida de São Paulo antes e depois de Damasco

Caros irmãos e irmãs

Na última catequese antes das férias há dois meses, no início de Julho comecei uma nova série de temáticas por ocasião do ano paulino, considerando o mundo em que São Paulo viveu. Hoje gostaria de retomar e continuar a reflexão sobre o Apóstolo dos gentios, propondo uma sua breve biografia. Dado que dedicaremos a próxima quarta-feira ao acontecimento extraordinário que se verificou no caminho de Damasco, a conversão de Paulo, mudança fundamental de a sua existência a seguir ao encontro com Cristo, hoje reflitamos brevemente sobre o conjunto da sua vida. Encontramos os dados biográficos de Paulo, respectivamente, na Carta a Filémon, onde ele se declara "velho" (Fm 1, 9: presbýtes) e nos Atos dos Apóstolos que, no momento da lapidação de Estêvão, o qualificam "jovem" (7, 58: neanías). As duas designações são evidentemente genéricas, mas, em conformidade com as medidas antigas, "jovem" era qualificado o homem com cerca de trinta anos, e dizia-se "velho" quando tinha por volta de sessenta anos. Em termos absolutos, a data do nascimento de Paulo depende em grande parte da data da Carta a Filémon. Tradicionalmente, a sua redação é posta durante o aprisionamento romano, nos meados dos anos 60. Paulo teria nascido no ano 8, portanto contaria mais ou menos sessenta anos, enquanto no momento da lapidação de Estêvão tinha trinta. Esta deveria ser a cronologia correta. E a celebração do ano paulino que nós fazemos segue precisamente esta cronologia. Foi escolhido o ano de 2008, pensando num nascimento mais ou menos no ano 8.
De qualquer maneira, ele nasceu em Tarso na Cilícia (cf. At 22, 3). A cidade era capital administrativa da região e em 51 a.C. teve como Procônsul nada menos que Marco Túlio Cícero, enquanto dez anos mais tarde, em 41, Tarso fora o lugar do primeiro encontro entre Marco António e Cleópatra. Judeu da diáspora, ele falava grego, embora tivesse um nome de origem latina, de resto derivado por assonância do originário hebraico Saul/Saulos, que tinha a cidadania romana (cf. At 22, 25-28). Portanto, Paulo aparece inserido na fronteira de três culturas romana, grega e judaica e talvez também por isso fosse disponível a fecundas aberturas universalistas, a uma mediação entre as culturas, a uma verdadeira universalidade. Ele aprendeu também um trabalho manual, talvez herdado do pai, que consistia na profissão de "tendeiro" (cf. At 18, 3: skenopoiós), que provavelmente deve ser entendido como alguém que trabalha a lã tosca de cabra ou as fibras de linho para fazer esteiras ou tendas (cf. At 20, 33-35). Por volta dos 12-13 anos, a idade em que o adolescente judeu se torna bar mitzvá ("filho do preceito"), Paulo deixou Tarso e transferiu-se para Jerusalém, para ser educado aos pés do rabino Gamaliel, o Ancião, neto do grande Rabino Hillel, segundo as mais rígidas normas do farisaísmo, e adquirindo um grande zelo pela Torá mosaica (cf. Gl 1, 14; Fl 3, 5-6; Act 22, 3; 23, 6; 26, 5).
Com base nesta profunda ortodoxia, que tinha aprendido na escola de Hilel em Jerusalém, entreviu no novo movimento que se inspirava em Jesus de Nazaré um risco, uma ameaça para a identidade judaica, para a verdadeira ortodoxia dos pais. Isto explica o fato de que ele, ferozmente, "perseguiu a Igreja de Deus", como três vezes admitirá nas suas Cartas (cf. 1 Cor 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3, 6). Embora não seja fácil imaginar concretamente em que consistia esta perseguição, de qualquer maneira a sua atitude era de intolerância. É aqui que se insere o acontecimento de Damasco, a respeito do qual voltaremos a falar na próxima catequese. É certo que, daquele momento em diante, a sua vida mudou e ele tornou-se um incansável apóstolo do Evangelho. Com efeito, Paulo passou para a história mais por aquilo que fez como cristão, aliás, como apóstolo, do que como fariseu. Tradicionalmente, subdivide-se a sua atividade apostólica com base nas três viagens missionárias, à qual se acrescenta a quarta, a ida a Roma como prisioneiro. Todas elas são narradas por Lucas nos Atos. Porém, a propósito das três viagens missionárias, é necessário distinguir a primeira das outras duas.
Com efeito, da primeira (cf. At 13-14) Paulo não teve a responsabilidade direta, que foi ao contrário confiada ao cipriota Barnabé. Juntamente com eles, partiram de Antioquia sobre o Oronte, enviados por aquela Igreja (cf. At. 13, 1-3) e, depois de terem sarpado do porto de Selêucia na costa síria, atravessaram a ilha de Chipre de Salamina a Pafos; dali chegaram à costa meridional da Anatólia, hoje Turquia, e passaram pelas cidades de Atála, Perge da Panfília, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra e Derbe, de onde regressaram ao ponto de partida. Assim nasceu a Igreja dos povos, a Igreja dos pagãos. Entretanto, sobretudo em Jerusalém, nasceu um debate árduo, até que ponto estes cristãos provenientes do paganismo eram obrigados a entrar também na vida e na lei de Israel (várias observações e prescrições que separavam Israel do resto do mundo), para ser realmente partícipes das promessas dos profetas e para entrar efetivamente na herança de Israel. A fim de resolver este problema fundamental para o nascimento da Igreja futura, reuniu-se em Jerusalém o chamado Concílio dos Apóstolos, para decidir a respeito deste problema, do qual dependia o nascimento efetivo de uma Igreja universal. E foi decidido não impor aos pagãos convertidos a observância da lei mosaica (cf. At 15, 6-30): ou seja, não eram obrigados às normas do judaísmo; a única necessidade era pertencer a Cristo, viver com Cristo e segundo as suas palavras. Assim, sendo de Cristo, eram também de Abraão, de Deus e partícipes de todas as promessas. Depois deste acontecimento decisivo, Paulo separou-se de Barnabé, escolheu Silas e começou a segunda viagem missionária (cf. At 15, 36-18, 22). Tendo ultrapassado a Síria e a Cilícia, reviu a cidade de Listra, onde tomou consigo Timóteo (figura muito importante da Igreja nascente, filho de uma judia e de um pagão) e fê-lo circuncidar, atravessou a Anatólia central e chegou à cidade de Tróade, na costa setentrional do Mar Egeu. E aqui novamente teve lugar um acontecimento importante: viu em sonhos um macedônio da outra parte do mar, ou seja, na Europa, que dizia: "Vem e ajuda-me!". Era a Europa futura que pedia a ajuda e a luz do Evangelho. Impelido por esta visão, entrou na Europa. Daqui, sarpou para a Macedônia, entrando assim na Europa. Tendo desembarcado em Nápoles, chegou a Filipos, onde fundou uma bonita comunidade, depois passou por Tessalonica e, partindo daí devido às dificuldades que lhe causaram os judeus, passou por Bereia e chegou a Atenas.
Nesta capital da antiga cultura grega pregou primeiro na Ágora e depois no Areópago, aos pagãos e aos gregos. E o discurso do Areópago, mencionado nos Atos dos Apóstolos, é modelo do modo como traduzir o Evangelho em cultura grega, de como fazer com que os gregos compreendam que este Deus dos cristãos, dos judeus, não é um Deus alheio à sua cultura, mas o Deus desconhecido por eles esperado, a verdadeira resposta às mais profundas interrogações da sua cultura. Depois, de Atenas chegou a Corinto, onde se deteve por um ano e meio. E ali temos um acontecimento cronologicamente muito seguro, o mais seguro de toda a sua biografia, porque durante esta primeira estadia em Corinto ele teve que comparecer diante do Governador da província senatorial de Acaia, o Procônsul Galião, acusado de um culto ilegítimo. Sobre este Galião e sobre o seu período em Corinto existe uma antiga inscrição encontrada em Delfos, onde se diz que era Procônsul em Corinto, entre os anos 51 e 53. Por conseguinte, aqui temos uma data absolutamente certa. A estadia de Paulo em Corinto teve lugar naqueles anos. Portanto, podemos supor que chegou mais ou menos no ano 50 e permaneceu ali até 52. Depois, de Corinto, passando por Cêncreas, porto oriental da cidade, dirigiu-se para a Palestina, chegando a Cesareia Marítima, de onde subiu a Jerusalém e então voltou para Antioquia sobre o Oronte.
A terceira viagem missionária (cf. At 18, 23-21, 6) teve início como sempre em Antioquia, que se tinha tornado o ponto de origem da Igreja dos pagãos, da missão aos pagãos, e era também o lugar onde nasceu o termo “cristão”. Aqui, pela primeira vez, diz-nos São Lucas, os seguidores de Jesus foram chamados "cristãos". Dali Paulo partiu diretamente para Éfeso, capital da província da Ásia, onde permaneceu durante dois anos, desempenhando um ministério que teve fecundas influências na região. De Éfeso, Paulo escreveu as cartas aos Tessalonicenses e aos Coríntios. Porém, a população da cidade foi instigada contra ele pelos cambistas locais, que viam diminuir as suas receitas pela redução do culto a Artemides (o templo a ela dedicado em Éfeso, o Artemysion, era uma das sete maravilhas do mundo antigo); por isso, ele teve que fugir para o norte. Tendo atravessado novamente a Macedônia, voltou à Grécia, provavelmente a Corinto, aí permanecendo três meses e escrevendo a célebre Carta aos Romanos.
Daí voltou a percorrer os seus passos: passou de novo pela Macedônia, de navio chegou a Tróade e depois, passando somente pelas ilhas de Mitilene, Chio e Samo, chegou a Mileto, onde pronunciou um importante discurso aos Anciãos da Igreja de Éfeso, dando um retrato do verdadeiro pastor da Igreja (cf. At 20). Daí partiu novamente, içando as velas rumo a Tiro, de onde depois chegou a Cesareia Marítima para subir mais uma vez a Jerusalém. Ali foi preso por causa de um mal-entendido: alguns judeus julgaram que fossem pagãos outros judeus de origem grega, introduzidos por Paulo na área do templo reservada exclusivamente aos israelitas. A prevista condenação à morte foi-lhe poupada graças à intervenção do tribuno romano de guarda na área do Templo (cf. At 21, 27-36); isto se verificou quando o Procônsul na Judéia era António Felice. Depois de ter passado um período de prisão (cuja duração é discutível), e tendo Paulo, como cidadão romano, feito apela a César (que então era Nero), o sucessivo Procurador Pórcio Festo convidou-o para ir a Roma sob a guarda militar.
Na viagem para Roma passou pelas ilhas mediterrâneas de Creta e Malta, e depois pelas cidades de Siracusa, Régio da Calábria e Pozuóli. Os cristãos de Roma foram ao seu encontro na Via Ápia, até ao Foro de Ápio (aprox. 70 km a sul da capital) e outros até às Três Tavernas (aprox. 40 km). Em Roma encontrou-se com os delegados da comunidade judaica, à qual confiou que era "a esperança de Israel" que trazia as suas cadeias (cf. At 28, 20). No entanto, a narração de Lucas termina com a menção de dois anos passados em Roma sob uma branda guarda militar, sem se referir a uma sentença de César (Nero) e muito menos à morte do acusado. Tradições sucessivas falam de uma sua libertação, que teria favorecido tanto uma viagem missionária à Espanha, como uma sucessiva passagem pelo oriente e, especificamente, por Creta, Éfeso e Nicópoles em Épiro. Sempre com base hipotética, supõe-se uma nova detenção e um segundo aprisionamento em Roma (de onde teria escrito as três Cartas chamadas Pastorais, ou seja, duas a Timóteo e uma a Tito), com um segundo processo, que lhe seria desfavorável. Todavia, uma série de motivos induz muitos estudiosos de São Paulo a rematar a biografia do Apóstolo com a narração lucana dos Atos.
Sobre o seu martírio voltaremos a falar em seguida, no ciclo destas nossas catequeses. Entretanto, neste breve elenco das viagens de Paulo, é suficiente saber como ele se dedicou ao anúncio do evangelho sem poupar energias, enfrentando uma série de provas gravosas, das quais nos deixou o elenco na segunda Carta aos Coríntios (cf. 11, 21-28). De resto, é ele quem escreve: "Faço tudo por causa do Evangelho" (1 Cor 9, 23), exercendo com absoluta generosidade aquela à qual ele chama "solicitude por todas as Igrejas" (2 Cor 11, 28). Vemos um compromisso que só se explica com uma alma realmente fascinada pela luz do Evangelho, apaixonada por Cristo, uma alma sustentada por uma profunda convicção: é necessário levar ao mundo a luz de Cristo, anunciar o Evangelho a todos. Parece-me que é isto que permanece desta breve resenha das viagens de São Paulo: ver a sua paixão pelo Evangelho, intuir assim a grandeza, a beleza, aliás, a profunda necessidade do Evangelho para todos nós. Rezemos a fim de que o Senhor, que fez ver a sua luz a Paulo, que lhe fez ouvir a sua Palavra e lhe tocou intimamente o coração, permita que também nós vejamos a sua luz, para que inclusive o nosso coração seja tocado pela sua Palavra e assim possamos também nós dar ao mundo de hoje, que deles tem sede, a luz do Evangelho e a verdade de Cristo.


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
 Sala Paulo VI
Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008

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